QUERO "TER" UMA ASSOCIAÇÃO: É POSSÍVEL?


Primeiro vem a vontade de constituir uma escola. Depois, a formação do PPP – Plano Político Pedagógico e, depois, a escolha do formato jurídico mais adequado à criação da escola formalmente. Mas não necessariamente nesta ordem.

O que debateremos neste artigo é especificamente sobre um dos modelos jurídicos possíveis de criação de escolas: a associação. Através de perguntas, descobriremos se é possível “ter” uma associação:


1- O que é uma associação para o direito?

Quando pensamos no termo “associação”, vem nos a mente a imagem de um agrupamento de pessoas, correto? Estas pessoas podem se unir para constituir uma pessoa jurídica *¹, ou seja, uma instituição que, para o mundo jurídico, pode praticar atos como compra e venda, aluguel, representação em ações judiciais, dentre outros.

Estas pessoas jurídicas podem ter finalidade de lucro, como as empresas ou não terem esta finalidade, como é o caso das associações.


2- Associação não tem finalidade econômica. Então, como é sustentada?

Finalidade econômica, finalidade lucrativa, expressões que se confundem. Não nos apeguemos às expressões neste momento. Busquemos compreender o que ambas querem dizer na prática: a associação não pode distribuir lucros, direitos, bens entre associados porque o patrimônio é da associação para o cumprimento de uma finalidade de impacto social, uma atividade de auxilia a sociedade, para o bem coletivo.

Isso não quer dizer que ela não possa produzir recursos e receber recursos por serviços ou produtos que vende, por doações, dentre outros. Distribuir estes recursos entre os associados, jamais.


3- A associação pode remunerar pessoas que trabalham para ela?

Claro. Se é um trabalho efetivo, remunerar, observando valore justos, de mercado não é proibido. Mas existem cargos não remunerados como os de presidencia e conselho fiscal. Para quem deseja se pleitear benefícios públicos, por meio de titulações que são conferidas à algumas associações, deve estar atento a esta vedação.


4-Certo, e se uma pessoa deseja “ter” uma associação para implementar serviços educacionais?

Neste caso, precisaremos complexificar a resposta, recorrendo-nos não apenas aos conhecimentos jurídicos mas também das ciências sociais.

Primeiramente vamos tratar do Direito. Vejamos o que no diz o Código Civil (BRASIL, 2002):


TÍTULO II

DAS PESSOAS JURÍDICAS

(...)

CAPÍTULO II

DAS ASSOCIAÇÕES

Art. 53. Constituem-se as associações pela união de pessoas que se organizem para fins não econômicos.

Parágrafo único. Não há, entre os associados, direitos e obrigações recíprocos.

Art. 54. Sob pena de nulidade, o estatuto das associações conterá:

I - a denominação, os fins e a sede da associação;

II - os requisitos para a admissão, demissão e exclusão dos associados;

III - os direitos e deveres dos associados;

IV - as fontes de recursos para sua manutenção;

V – o modo de constituição e de funcionamento dos órgãos deliberativos;

VI - as condições para a alteração das disposições estatutárias e para a dissolução.

VII – a forma de gestão administrativa e de aprovação das respectivas contas.


Veja, as associações, pela lei, é formada pela união de pessoas. Formaliza-se com o registro de um Estatuto no Cartório de Pessoas Jurídicas (nem mesmo é registrada na Junta Comercial, como as empresas).

Não se tratando de uma propriedade, tal como são as empresas, não seria possível “ter” uma associação. Associações não possuem donos, tão somente gestores, conselheiros, associados, trabalhadores, colaboradores, voluntários, dentre outros.

Se o projeto político pedagógico da escola deseja uma gestão horizontal e as pessoas que sonham em implementar uma escola não desejam lucrar (quando muito apenas prestar algum tipo de serviço) o modelo associação é bem ajustado à proposta.

Das ciências sociais, podemos também trazer mais perspectivas sobre as associações, explorando o motivo pelo qual não é correto dizer que alguém “tem” uma associação.

As associações são formalizações de pessoas jurídicas que devem refletir questões sociais, organizadas por movimentos sociais, que podem ser definidos como:


“ações sociais coletivas de caráter sociopolítico e cultural que viabilizam distintas formas da população se organizar e expressar suas demandas. Na ação concreta, essas formas adotam diferentes estratégias, que variam da simples denúncia, passando pela pressão direta (mobilizações, marchas, concentrações, passeatas, distúrbios à ordem constituída, atos de desobediência civil, negociações etc.), até as pressões indiretas” (Gohn, 2022).


Vemos pela definição de movimentos sociais, vemos que eles são fruto de demandas sociais, coletivas. Diferentemente das empresas que, mesmo prestando serviços ou fornecendo bens à sociedade, seu valor primordial é o de geração de lucro aos proprietários.

A livre iniciativa, as empresas possuem, portanto um caráter patrimonialista para os donos, já as associações não, porque em seu nascedouro não há a intenção econômica (ou lucrativa, para os que preferem o termo). Elas devem ecoar necessidades sociais e propostas de mitigação aos problemas relativos a estas necessidades.

Depois de esclarecermos da impossibilidade de “ter uma associação”, pode ser que esteja se perguntando por que algumas associações possuem gestores que parecem ser “donos”.

O motivo disto acontecer é porque entre a teoria e prática existem certos desarranjos. Associações podem ter dificuldades de alternância de pessoas na gestão por vários motivos. Um deles é o número de associados que, às vezes é pequeno ou, então, poucos estão disponíveis para o exercício dos cargos de gestão que, regra geral, são exercidos voluntariamente. Contudo, ainda sim isto não configura algum tipo de propriedade ou direito perpétuo.

Sem donos, mas de relevante atuação social, são, portanto, as associações.


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Paloma Goulart

Escritora – Professora - Advogada

Doutora e Mestre em Sociologia / Especialista e Bacharela em Direito



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Notas:


*¹ No artigo “Escola é uma Pessoa Jurídica” há explicações sobre a expressão

 “pessoa jurídica”, além de abordar como são constituídas as escolas, no sentido

 de se organizarem sob a forma de uma pessoa jurídica. Clique aqui para ler.

Ou copie e cole este link no navegador:  

https://conheceretransformarmg.blogspot.com/2022/08/escola-e-pessoa-juridica-

imagemlivre-de.html.



Referências:


BEVILÁCQUA, Clóvis. Teoria Geral do Direito Civil, 2ª edição, Rio de Janeiro:

 Livraria Francisco

 Alves, 1929, (pág. 158)


BRASIL. Código Civil de 2002. Disponível em

 <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm>. Acesso

 em 06.08.2022.


GOHN, Maria da Glória. Sociedade Civil no Brasil: movimentos sociais e ONGs.

Disponível


em<http://nomadas.ucentral.edu.co/index.php/inicio/29-produccion-de-

conocimiento-hegemonia-y-


subalternidad-nomadas-20/424-sociedade-civil-no-brasil-movimentos-sociais-e-

ongs>. Acesso em 07.08.2022.


Imagem:



Imagem livre cedida de Gerd Altmann por Pixabay. Disponível em <https://pixabay.com/pt/illustrations/m%c3%a3o-bola-bala-rostos-mundo-1592415/>. Acesso em 06/08/2022.


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