ECOVILAS: AS PROFESSORAS DE DIREITO AMBIENTAL



"Eu quero uma casa no campo", assim começa a belíssima música de Zé Rodrix e Tavito, imortalizada na voz de Elis Regina, uma das maiores intérpretes da música popular brasileira.

A música evoca imagens bucólicas, acolhedoras, associadas à ambientes rurais. Diz sobre o desejo de “plantar e colher com a mão”, de plantar “amigos, discos e livros”, de ter um “filho de cuca legal”, de estar numa casa de “pau a pique e sapê”.

Estas imagens tocam de uma forma surpreendente mesmo aqueles que não pensam em se mudar para áreas rurais. Talvez porque esteja cravado em nossas células a memória do que nos é essencial: nossa vida é possível através da nutrição pelos frutos da terra. Também nos evoca expressões culturais antigas, músicas e saberes que pulsavam na humanidade antes de processos de industrialização da produção de tudo o que conhecemos, sobretudo, daquilo de que nos alimentamos.

Mas para além de sentir, muitas pessoas tem também colocado à mente e vontade à serviço deste sentir e empreendem esforços de retornar ao campo. Pensar, sentir e agir, a trimembração do ser humano, segundo a Antroposofia, atinge um ponto de integração notável nestes casos. Alguns se intitulam de “novos rurais”, inclusive.

Pessoas que fazem um movimento inverso ao da urbanização, que impulsionou a saída das pessoas do campo em direção às áreas urbanas. Ou seja, saem das áreas urbanas para viverem em ambientes rurais, do campo (sem adentrar com profundidade na diferença dessas nomenclaturas).

Aqui não se está a descrever a simples experiência de morar em condomínio com área preservada comum.

Acontece que existem várias camadas desta experiência de “retorno” e fechar-se em condomínios repletos de matas em derredor não parece exatamente ser o que se busca de mais intenso na experiência de viver no campo.

Jamais desmerecido este benéfico estilo de vida, para aqueles que podem escolher vivê-lo, de moradia em locais com matas preservadas no entorno, é importante, contudo, pontuar que a camada de experiência mais profunda deste “retorno” ao campo não está caracterizada ainda.

O “retorno” mais denso tem sido feito por pessoas que se dispõem a voltar “plantar com a mão”, valendo-nos nas palavras da música de Zé Rodrix e Tavito. Algumas em experiências pontuais, outras, indo além, mudando-se para o campo e implementando um novo relacionamento com os meios e recursos naturais, mais direto e consciente, cotidiano, dinâmico e respeitoso.

Algumas pessoas formam Ecovilas, que são excelentes professoras de Direito Ambiental. Não seria exagero dizer que também são professoras de Direito Agrário, de Direito Contratual, de Direitos Fundamentais, além de inúmeras outras áreas de conhecimento: biologia, arquitetura, engenharia, geologia, saúde, conhecimentos tradicionais etc.

“as ecovilas se apresentam como propostas alternativas de assentamentos humanos que já se espalham em vários países, organizadas dentro dos princípios da sustentabilidade socioambiental. Segundo Svenesson e Jackson (2002), ecovilas são comunidades de pessoas que se esforçam por levar uma vida em harmonia consigo mesmas, com os outros seres animados ou inanimados e com a Terra. O propósito é combinar um ambiente sociocultural com um estilo de vida de baixo impacto. Em linhas gerais, Estrela (2009) argumenta que uma ecovila constitui uma associação de pessoas buscando uma forma alternativa de vida, fora dos grandes centros urbanos, e em harmonia com as leis da natureza”. (Bárbara; Trevisan. 2017).


Para que as Ecovilas sejam formadas, um planejamento complexo é realizado para que o lugar se torne de baixo impacto ambiental e neste momento que inúmeros conhecimentos passam a ser articulados criando não só caminhos conhecidos, mas também inovadores.

Casas ecológicas, uso sustentável da água, reuso e descarte de águas, soluções quanto ao lixo, reaproveitamento de materiais, princípios de permacultura são temas necessários e recorrentes ao planejamento de Ecovilas.

Afirmamos categoricamente que são professoras de Direito Ambiental porque elas propiciam a aplicação de inúmeros princípios que devem nortear a nossa permanência na grande casa “Terra”. Se originam, principalmente, a partir de reuniões, discussões, estudos e compromissos entre vários países no que tange à preservação e cuidados com o meio ambiente, como a Conferência de Estocolmo (1972), a Cúpula da Terra ou Conferência do Rio (1992) e a Convenção Quadro das Nações Unidas Sobre as Mudanças do Clima (1992).

Citando alguns destes princípios temos: princípio da prevenção, princípio da precaução, princípio do poluidor-pagador, princípio do desenvolvimento sustentável, princípio da participação política, (PANTOJA, 2019). De modo simplificado, vemos estes princípios serem aplicados em ações dentro das Ecovilas:


Princípios

O que inspiram?

Exemplos de aplicação em Ecovilas

Prevenção

Medidas para impedir a poluição, os danos irreversíveis.

Redução e reaproveitamento de água.

Precaução

Medidas para impedir ações que, ainda de efeitos não conhecidos ou não completamente conhecidos, poderão causar danos ao meio ambiente.

Plantio e consumo de orgânicos, ou seja, de plantas sem utilização de agrotóxicos na produção.

Poluidor-pagador

Medidas para recuperar e/ou indenizar danos ambientais por aquele que os provocou.

Recuperação de matas, de nascentes, mesmo sem ter sido a responsável, na perspectiva do poluidor-pagador.

Desenvolvimento Sustentável

Integrar objetivos econômicos, sociais e ambientais.

Produção de alimentos orgânicos, sendo estes alimentos destinados à venda, gerando renda a produtores locais.

Participação Política

Cidadãos devem participar das decisões políticas que impactam o meio ambiente.

Moradores da Ecovila gestam o espaço tomando decisões em conjunto e em prol de objetivos comuns relacionados à preservação do meio ambiente.

A “casa no campo” em Ecovilas é bem mais que um espaço romantizado para o mero descanso. A professora de Direito Ambiental é afeita a metodologias ativas, inovadoras e impulsionadoras do pleno desenvolvimento de todos aqueles que se dispõem a aprender conhecimentos e o autoconhecimento mediados por ela.


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Paloma Goulart

Escritora – Professora - Advogada

Doutora e Mestre em Sociologia / Especialista e Bacharela em Direito



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Referências:


FLORES, Bárbara Nascimento e Trevizan, Salvador Dal Pozzo. ECOVILA COMO


 ALTERNATIVA DE ORGANIZAÇÃO SOCIOAMBIENTAL SUSTENTÁVEL: UMA


 AVALIAÇÃO DE PIRACANGA, BAHIA. Sociedade  & Natureza [online] . 2017, v.


 29, n. 3 [Acessado 29 Julho 2022] , pp. 459-471. Disponível em:


 <https://doi.org/10.14393/SN-v29n3-2017-7>. Epub


 02 Maio 2022. ISSN 1982-4513. https://doi.org/10.14393/SN-v29n3-2017-7.




PANTOJA, Oton. Os cinco princípios mais importantes do Direito Ambiental.


 Publicado em 10.07.2019. Disponível em


<https://www.aurum.com.br/blog/principios-do-direito-ambiental/>. Acesso em


 29.07.2022.



STEINER, Rudolf. A Prática Pedagógica: segundo o conhecimento científico-


espiritual do homem. Tradução Christa Glass. Editora Antroposófica; FEWB, 2000.




Imagens:


Imagem de Cabana Rural por Vincent Ciro por Pixabay . Disponível em

 <https://pixabay.com/pt/photos/cabana-rural-casa-natureza-pa%c3%ads-

581080/>. Acesso em 29/07/2022.



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