ESTUDAR SOCIOLOGIA: POR QUÊ?

 

Imagine que você passa por um mesmo lugar cotidianamente, deslocando-se para o trabalho, ou fazendo caminhada.

Após fazer isso por dias, ou por meses, de repente percebe algo que sempre esteve no cenário de seu percursos habitual, mas que nunca havia despertado sua atenção antes.

Suponhamos que você percebe a existência de uma casa antiga, que parece ter sido construída no século XX. Ela possui uma estética destoante de todas as outras edificações do entorno, que possuem estilos de construção bem diferentes, já do século XXI.

O fato te inspira maior investigação, até por que, curiosamente, a parte de trás desta casa antiga é diferente: possui aspectos de construção em estilo contemporâneo e não do século XX, como a frente.

Isto suscita, em sua mente, a dúvida: por que o proprietário ou proprietária do imóvel preservou apenas a frente da casa e não os fundos? Por que não reformou tudo?

Naquela casa antiga funciona uma cafeteria e você decide entrar e comer algo. É uma ótima oportunidade para satisfazer, além da fome, sua curiosidade sobre a casa.

Então, pergunta para o garçom o motivo da casa ser “velha” na frente e “nova” atrás. O garçom explica que a casa é tombada como patrimônio cultural.

Mas seus questionamentos não acabam: você ainda quer saber por quê frente e fundo da casa tem estilos diferentes.

Novamente o garçom responde dizendo que apenas a faixada da casa foi tombada e não o fundo, pois apenas esta frente da casa teria sido avaliado como bem de relevante valor histórico e artístico pelo Conselho de Patrimônio Cultural do Município.

Embora respondidas suas perguntas, aquilo suscita em sua mente outros questionamentos: quais são os valores históricos e artísticos que justificam o reconhecimento de um patrimônio cultural ? Como funciona o conselho de patrimônio cultural? O que exatamente é o tombamento? Por que as casas antigas que existiam no entorno não foram tombadas, como aquela em que funciona a cafeteria, e, ao contrário, acabaram sendo demolidas e substituídas por construções bem diferentes?

Veja, primeiro você exerceu um olhar de “estranhamento” ao que já estava “naturalizado” em sua cotidiano: aquela casa diferente chamou sua atenção, despertando muitas perguntas elementares sobre ela, que foram dirigidas ao garçom da cafeteria. Basicamente, suas perguntas ainda estavam no plano do “o que é isso?”. Depois de obter as respostas do garçom, você reelaborou novas questões em sua mente, mais aprofundadas, exercendo um senso “crítico” sobre as primeiras descobertas em relação àquela casa diferente. Este senso “crítico” foi traduzido em indagações no plano do “por que é assim?”. Nesta etapa você passou a questionar critérios de identificação de um patrimônio cultural, como se dá o processo de tombamento, além de ter indagado por quê o bem, a casa, foi preservada ao passo que outras similares não foram.

Estas operações: “estranhamento”, “desnaturalização” e “exercício de pensamento crítico” são fundamentais ao estudo da Sociologia.

As relações sociais são cotidianas e comuns a todos nós e o exercício de estranhamento e desnaturalização é o que nos auxilia em uma vida mais reflexiva, aberta às mudanças que favoreçam aprimoramentos sociais. O pensamento crítico favorece a elaboração de questões, que possam indicar caminhos para estes aprimoramentos.

E antes que alguém acuse de utópico ou utilitarista, colocar desta forma a justificativa pela qual se estuda a Sociologia, vamos fazer o seguinte exercício: por que é importante estudar Matemática?

É bem verdade que quando tentamos responder esta pergunta, os primeiros impulsos de resposta quem vem à mente estão circunscritos às várias aplicações da matemática na sociedade: nos cálculos dos projetos de edificações de casa; na mensuração dos danos patrimoniais em um conflito judicial; nos orçamentos públicos que determinam a alocação de recursos para a população etc.

A geração de conhecimento sobre o mundo - seja Sociologia, Matemática ou outra área – é valoroso para a nossa bagagem cultural humana e também possui aplicações práticas de aprimoramentos sociais, é um fato.

A temática do Patrimônio Cultural é um assunto estudado pela Sociologia, mas não exclusivamente.

O Direito também se dedica ao tema e estabelece normas protetivas a respeito. Vejamos o que determina a Constituição Federal de 1988:


CAPÍTULO III

DA EDUCAÇÃO, DA CULTURA E DO DESPORTO

(…)

SEÇÃO II

DA CULTURA

(...)

Art. 216. Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem:

I - as formas de expressão;

II - os modos de criar, fazer e viver;

III - as criações científicas, artísticas e tecnológicas;

IV - as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais;

V - os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico.

§ 1º O Poder Público, com a colaboração da comunidade, promoverá e protegerá o patrimônio cultural brasileiro, por meio de inventários, registros, vigilância, tombamento e desapropriação, e de outras formas de acautelamento e preservação.


E por que o Patrimônio Cultural é um dos assuntos de atenção da Sociologia? Porque os patrimônios são expressões de saberes, de fazeres, de lugares, de símbolos, de técnicas e crenças partilhadas coletivamente em sociedades, de grande relevância à compreensão da vida humana nestes coletivos. Os patrimônios culturais exercem as bases ou expressão das bases de funcionamento essencial nos coletivos em eles são constituídos, diferindo-se, portanto, dos “patrimônios comuns”.


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Paloma Elaine Santos Goulart

Escritora e Professora.

Doutora e Mestre em Sociologia / Especialista e Bacharela em Direito



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Referências

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília: Senado Federal, Centro Gráfico, 1988.

CASTRO, M.L; LONDRES, Maria Cecília. Viveiros de. Patrimônio imaterial no Brasil. Brasília: UNESCO, Educarte, 2008. 199 p.


Imagens

Casa de fazenda. Imagem livre extraída de <https://pixabay.com/pt/photos/casa-de-fazenda-estado-bavaria-1580919/>. Acesso em 05/06/2022


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