“O PESO DA CANETA É MENOR QUE O DA ENXADA”: ESCOLARIDADE E RENDA

 


Tem um ditado popular que ronda a o imaginário social: a pessoa deve estudar porque “o peso da caneta é menor do que o da enxada”! É sobre ele que quero propor algumas reflexões.

Certamente esse ditado remete à ideia de que a escolaridade determina o tipo de ocupação, em termos de trabalho remunerado, que a pessoa terá. Além disso, o ditado também evoca a ideia de que quão maior a escolaridade, mais “leve” será o trabalho a ser desempenhado.

O que é um trabalho “leve”?

Será que quanto maior o nível educacional, mais “leve” será o trabalho?

É bem interessante questionar os ditos populares, vejam quantas perguntas se abrem. Acima estão algumas delas. Tentemos discuti-las aqui.

Primeiro pensemos na ideia de “trabalho leve”. Parece que o dito popular está associado a imaginários hipotéticos de maior comodidade ou de maior rentabilidade.

Sobre comodidade, é importante ressaltar que a dedicação excessiva ao trabalho pode ser geradora de adoecimento, mesmo em cargos com maiores salários. Certamente você já ouviu falar em Burnout: um transtorno de ansiedade, que se relaciona exclusivamente com questões laborais.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) já classificou o Burnout como um “fenômeno ocupacional”.

Então, já sabemos hoje que não é apenas o corpo que pode sentir os efeitos do excesso laboral, mas também a mente. Logo, o termo “leve” deve ser repensado. Trabalho intelectual, que pressupõe maior escolaridade e, em alguns casos, gera maior obtenção de rendas, também pode provocar adoecimento, se a dedicação se torna excessiva. Logo, se o “leve” poderia indicar uma suposição de maior “comodidade”, isso não é o que ocorre em muitos casos.

Mas, se o termo “leve”, no dito popular que citamos no início do texto, remete à suposição de “maior rentabilidade”, devemos discutir algumas fontes de informação vindas das Ciências Sociais. A primeira é a “Teoria da Capital Humano”.

Muito influente nos estudos dentro das Ciências Sociais: a Teoria do Capital Humano é tributada a Jacob Mincer. No final da década de 1950, Mincer publicou estudo em que relatou que a escolaridade teria impacto sobre maiores ganhos pessoais de renda.

Em todo o mundo, vários cientistas desenvolveram estudos de dados numéricos e, de fato, encontraram resultados que confirmam a Teoria do Capital Humano. Ou seja, estes estudos atestaram haver uma influência da escolaridade sobre a renda pessoal.

Traduzindo de forma simples: vários estudos comprovaram que quanto maior o nível educacional do conjunto de pessoas pesquisadas, maiores eram também as chances de ter rendas mais elevadas.

De toda forma, a ciência está sempre em processo de criação e de reformulação das teorias.

É importante destacar que existe também outra teoria importante para compreendermos o fenômeno que relaciona a obtenção de rendas pessoais, a Teoria do Capital Social:


capital social refere-se a aspectos da organização social, tais como redes, normas e confiança que facilita coordenação e cooperação para benefícios mútuos. Capital social aumenta os benefícios de investimento em capital físico e capital humano” PUTNAM(1993)


O “Capital Social” mostra a influência que as nossas redes de contato exercem em nossos objetivos de vida. E, a partir dela, podemos verificar que, em alguns casos, pessoas com a mesma escolaridade acabam tendo chances de acessar melhores ocupações não por mera competência ou escolaridade compatível ao cargo, mas porque possuem alguma indicação, ou recomendação oriunda de contatos prévios (amigos, parentes, conhecidos) ou seja, do “Capital Social” que possui.

Então, a escolarização não é o único fator que determina a maior obtenção de rendas pessoais.

Em nosso país a ideia de “estudar, para se livrar do peso da enxada”, como sugere o dito popular, parece remeter a um tempo pretérito da história do país, em que se asseveravam os processos de urbanização e exigências de novas expectativas quanto à escolaridade das pessoas, que migravam dos ambientes rurais para os urbanos. O analfabetismo também se apresentava como um grande problema social no processo de urbanização, ainda mais grave do que é na atualidade, como mostra a Tabela abaixo, extraída de FERRARO (2002 apud Marchelli):










Diante das teorias e dados apresentados, o que proponho como reflexão é que, em primeiro lugar, a caneta também pode pesar, dado que pessoas com maior escolaridade não estão isentas dos riscos de adoecimento mental, decorrentes da dedicação excessiva ao trabalho.

Em segundo lugar, a escolaridade é um fator importante para obtenção de maiores rendas pessoais, mas não o único, como bem indica a Teoria do Capital Social. Fora os outros fatores que também exercem influência sobre a obtenção de renda, segundo o que comprovam várias pesquisas, e que não foram discutidos neste artigo como: experiência profissional, local de moradia, cor, sexo e idade.

Por fim, podemos concluir: por trás de um ditado popular, há muito o que discorrer e analisar.


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Paloma Elaine Santos Goulart

Escritora e Professora.

Doutora e Mestre em Sociologia / Especialista e Bacharela em Direito



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Referências:

FERRARO, A.R. 2002. Analfabetismo eníveis de letramento no Brasil: o quedizem os censos? Educação e Socieda-de, 23(81):21-47 apud Marchelli, Paulo Sérgio. As minorias alfabetizadas no final doperíodo colonial e sua transição parao império: um estudo sobre a história sociale educação no Brasil. Educação Unisinos 10(3):187-200, setembro/dezembro 2006. Disponível em <http://revistas.unisinos.br/index.php/educacao/article/view/6060/3234>. Acesso em 02.06.2022.


MINCER, Jacob. Investment in human capital and personal income distribution. Journal of Political Economy, v. LXVI, n. 4, p. 281-302, 1958.


PUTNAM, Robert. (1993). The Prosperous Comunity: Social Capital and Public Life. The American Prospect nº 13 (spring, 1993) (http://epn.org/prospect/13/13putn.htlm).


Imagens:


Imagem de Gerd Altmann por Pixabay. Disponível em <https://pixabay.com/pt/photos/um-livro-ler-estudante-de-faculdade-4126481/>. Acesso em 02.06.2022.


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