DROGAS NA ESCOLA : E AGORA?
Um fantasma que assombra a cabeça de muitas mães e pais são as drogas ilícitas. E quando pensam que a escola não é um ambiente imune ao problema, este fantasma toma proporções ainda mais maiores.
Mas convido você pensarmos sobre essa questão sob outra perspectiva: a sociológica em junção com a jurídica.
O objetivo é compreender o problema, afastando-se um pouco dos sentimentos individuais e temores, para podermos ajudar na estruturação de soluções mais eficientes e que provoquem menos danos sociais.
A questão proposta é instigadora e proponho que seja refletida à luz da teoria do desvio e seu expoente, Howard Becker.
Sociólogo norte americano, nascido em 1928, Howard Becker é autor do famoso livro “Outsiders”, que analisa o comportamento social “desviante”, ampliando a visão sobre o que muito comumente se entendia como “comportamento social patológico”.
A ideia de “comportamento patológico” advém de uma corrente sociológica importante, anterior à Becker, derivada dos estudos do sociólogo francês Èmile Durkheim (1958-1917). Ele é chamado de “pai” da Sociologia, uma vez que empreendeu grandes esforços e deixou vastos estudos sobre as análises sociais no contexto moderno.
De forma bem simplificada, para Durkheim, comportamento patológico seria aquele que foge a uma “média” dos comportamentos mais frequentes em uma sociedade..
Vejam a diferença desta ideia em relação a Becker. Em Becker o “desviante” é visto como aquele que quebra uma regra social. Ou seja, quem quebra uma regra não necessariamente possui um comportamento social “patrológico”. Pode ser que ele represente a falta de consenso sobre uma regra social, por exemplo.
Dessa forma, rotular o uso de drogas por adolescentes e jovens apenas como “patologia social” pode ser limitado. Devemos aprofundar a visão sobre a perspectiva da interação social, que molda comportamentos. Podemos nos perguntar: quais referências culturais os adolescentes e jovens que fazem uso de drogas ilícitas possuem? Em que medida estas referências influenciam nos comportamentos destes adolescentes e jovens?
Vivemos em uma país diverso e essa diversidade é desejada e protegida pelo Direito. Ela é, inclusive, objeto de vários Tratados Internacionais anuídos pelo Brasil. Um exemplo é a “Convenção sobre a Proteção e Promoção da Diversidade das Expressões Culturais”.
Sabemos que os adolescentes e jovens tem acesso à variadas expressões da cultura e nem todas são desfavoráveis ao uso de drogas ilícitas, à despeito da contrariedade às normas de Direito.
Não se quer dizer com isso que devamos deixar a questão em aberto, em relativismo perturbador, como se a variável da diversidade cultural pudesse ser uma espécie de “passe”, imune a qualquer análise crítica.
A cultural é mutável e, como tal, também os arranjos da diversidade cultural o são. A prática do uso de drogas ilícitas é variável no tempo. Assim como as regras do Direito também são variáveis.
À exemplo, até pouco tempo no Direito brasileiro o uso recreativo de canabis era penalizado. Isso mudou e hoje não é mais penalizado, embora continue havendo intervenção do Estado sobre a prática de forma a controlar o uso, especialmente entre pessoas que não atingiram a maior idade.
Cada tipo de droga provoca reações distintas na psique humana e, especialmente, entre adolescentes e jovens, o cuidado deve ser redobrado devido à condição de “seres em formação elementar”. Bem verdade que até os 21 anos, e não apenas 18 anos, os seres humanos estão em condição de formação básica biológica, psicomotora etc.
Dessa forma, famílias e Estado almejam que os adolescentes e jovens estejam se dedicando a atividades saudáveis para o seu desenvolvimento. Mas, será que as famílias e Estado estão conseguindo oferecer meios para tal?
Quais são acessos a atividades de desporto e artística? Quais são os exemplos do entorno destes jovens e também das próprias famílias que possam inspirá-los em práticas saudáveis?
Se o Estado e famílias não conseguem favorecer estes acessos, se os adolescentes e jovens não possuem referências sociais que lhes são caras, que lhes são estimadas e admiradas de pessoas que se dedicam a atividades desportivas, artísticas etc., não é de se espantar que possam ser seduzidos pelas experiências que drogas ilícitas oferecem.
Para alguns leitores, este texto pode parecer moralizante, mas não é a intenção. Para outros leitores, este texto pode parecer querer normalizar o uso de drogas ilícitas, mas também não é a intenção.
O que se buscou aqui foi trazer reflexões sobre o uso de drogas por adolescentes e jovens no ambiente escolar, buscando ampliar a visão do assunto para além dos muros das escolas.
Além disso, o fenômeno não pode ser visto simplesmente como uma “patologia” e ponto final. A visão de “desvio social”, desenvolvida pelo sociólogo Haword Becker permite maior abertura para compreendermos a complexidade do fenômeno.
Todos querem que os filhos não se envolvam com drogas ilícitas, todos querem um ambiente saudável na escola, mas a instituição é composta por pessoas e estas pessoas carregam diversas experiências, valores, condições sociais e emocionais distintas.
É importante, dessa forma, evitar a simplificação da análise do tema “drogas na escola” e se atentar para cada uma das variáveis que auxiliam na construção de um ambiente escolar mais saudável.
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Paloma Elaine Santos Goulart
Escritora e Professora.
Doutora e Mestre em Sociologia / Especialista e Bacharela em Direito
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Referências
BECKER, Howard S. Outsiders: estudos de sociologia do desvio. Ed. Jorge Zahar, Rio de Janeiro, 2008.
Convenção sobre a proteção e promoção da diversidade das expressões culturais. UNESCO. 2007. Disponível em: . Acesso em 10 mai 2009.
DURKHEIM, Èmile. As Regras do Método Sociológico. Trad. de Carlos Alberto Ribeiro de Moura. São Paulo: Abril Cultural, 2a. edição, série “Os Pensadores”. Seleção de textos de José Arthur Gianotti. 1983.
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